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A Deusa do Apocalipse Tupiniquim


Elza a mulher do fim do mundo.


Acompanhada dos músicos Kiko Dinucci, Marcelo Cabral, Rodrigo Campos, Romulo Fróes, Felipe Roseno e Guilherme Kastrup, além da participação especial da banda Bixiga 70, do Quadril – Quarteto de Cordas e do cantor Rubi, Elza levou no ultimo final de semana, ao auditório do Ibirapuera, uma maravilhosa Ópera Tupiniquim.


“A Mulher do Fim do Mundo” é o primeiro disco só de inéditas de sua carreira. As canções do disco falam sobre sexo, morte e negritude, e foram compostas por José Miguel Wisnik, Romulo Fróes e Celso Sim. O espetáculo, com direção de arte de Anna Turra é fruto do encontro da cantora carioca com a estética musical contemporânea paulista.

No entanto, fazer apenas uma breve sinopse é recusar a magnitude desse espetáculo inaugurador e instaurador. Elza a mulher do fim do mundo é uma Ópera, e, como tal, merece mais uma sinapse detalhada, do que uma breve sinopse.


A Deusa do Apocalipse Tupiniquim


Esta não é uma história inventada, tal qual normalmente são as óperas, pois como Tupiniquim, conta a trajetória dessa mulher brasileira que nos revela, com sua vida, o que é ser uma mulher, negra, filha de operário, nascida em uma pobreza que gostaríamos de ouvir apenas em canções. A Lata d’agua também é Benedita e carrega cartucho na teta.

Entretanto, é exatamente neste contexto, nessa história de vida, que o sonho de ser cantora torna uma trajetória de lutas e tristezas na inauguração de uma nova vida, uma nova terra, extraída do apocalipse, a partir do fim do mundo. A Deusa do Apocalipse Tupiniquim é uma revelação divina, mas a Deusa aqui é paga, é africana e convoca todos os orixás, exus e guardiões.


A palavra apocalipse, do grego αποκάλυψις significa "revelação”. Um "apocalipse", na terminologia do judaísmo e do cristianismo, é a revelação divina de coisas que até então permaneciam secretas a um profeta escolhido por Deus. Mas, como somos também pagãos e nosso panteão é africano, nossa salvadora é a Deusa Elza. Deusa do Apocalipse, pois as questões tupiniquins que temos de tratar são o sexo, a morte e a negritude. Questões da diferença, da exclusão, da invisibilidade, da tentativa de apagamento de nosso próprio empoderamento, enquanto povo marcado por toda essa mistura, que precisa gritar para ser ouvido. E, para nossa grande surpresa, e aqui tomada pelo espanto, o que vemos e ouvimos não é mais apenas um grito, mas uma revelação estética primorosa. E, como toda revelação pode ser dividida em três grupos: preterista (as revelações ocorreram no passado), historicista (a ocorrência das revelações se dá com o passar da história) e futurista (as revelações ocorrerão no futuro).


Preterista, porque é exatamente onde encontramos as nossas diferentes raízes, que vem desde a música erudita europeia, quando Marcelo Cabral nos traz um belíssimo arranjo com o quarteto de cordas, juntamente com os acordes metálicos da banda Bixiga 70, lembrando que nossas bandas não são apenas militares. E, ainda, provavelmente Kiko Dinucci, belamente torna o palco do auditório um terreiro, revelando a potencia de nossa matriz de empoderamento, que através de seu mensageiro, capaz de circular pelas trevas de nossas cidades endinheiradas e cobertas de solidões queimadas em bocas de crack, abre os caminhos para que o samba, glorioso ecoe na linda voz de nossa Deusa, mãe, mulher do fim do mundo, Elza.

Historicista, porque são essas fusões, que essa galera competente e generosa, chamada na mídia de estética musical contemporânea paulista, vem reatualizando para o mundo nossa estética tupiniquim. Essa mesma, filha da mesma antropofagia, que não somente povos tupis, mas kaiowas, guaranis, funi-o, kaiapos, ianomâmis, nos ensinaram. Entretanto, não somos mais colonizados inconformados, mas recriadores de vida e de uma nova terra, uma nova linguagem. Linguagem, guiada pela sensibilidade, unida a um cuidado técnico impecável e dirigida por gênios, como Romulo Fróes e Guilherme Kastrup.


Agora, futurista, porque trata-se de uma revelação, de como podemos tecer nossas vidas com beleza. Beleza extraída dos sacos de lixo bordados por Anna Turra. Um presente aos olhos, que se dialogam lindamente com o figurino cuidadoso do quarteto de cordas e a potencia da beleza negra de uma mulher que é uma deusa de cabelos roxos, que brilham em sua majestade de quem sabe sorrir e dar ao outro o presente de sua voz, que não pretende parar de cantar. E, ainda, contando que o grau de excitação e satisfação já eram altos, eis que surge Rubi, Eros-serpente que movimenta todo o fluxo do espetáculo e se deita no colo da Deusa, revelando que somos filhos da arte e somente nela encontraremos a libertação, ou pelo menos a liberação de nossos sofrimentos.


Por fim, a salvação, quando todos os músicos se movimentam no palco como se aquele fosse o juízo final. O fim não é um aprisionamento, mas a revelação de que ao adorar a Deusa do Apocalipse todos seremos salvos. Salvos porque ninguém pode confiar em um deus que não cante. Afinal, na nova terra, na nova linguagem que se reinaugura não há nem santos, nem pecadores, mas apenas uma Deusa, que é puro desejo e paixão e nos pergunta se queremos mais....

.....sim, queremos muito mais, mesmo que já nos sintamos plenos depois de termos sido conduzidos a ultrapassar o apocalipse.


* breve ensaio do show Elza - A mulher do fim do mundo

Auditorio do Ibirapuerra - 04 de outubro de 2015​

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