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Aprendendo a Voar ...


Uma reflexão sobre os constantes embates entre músicos e policiais nos blocos do Rio de Janeiro


Este ano minha participação no carnaval carioca foi apenas como observadora e pelo carinho que tenho com o movimento neo-fanfarrístico e o carnaval carioca senti o desejo de contribuir com algumas reflexões minhas sobre o que vem acontecendo.


Como alguns sabem, posso dizer que venho acompanhando o movimento de crescimento dos blocos no carnaval do Rio, desde que cheguei a essa cidade maravilhosa. Há dez anos, posso dizer que venho acompanhando de pertinho esse processo, principalmente depois de entrar para a Oficina da Voadora e fazer parte desse lindo movimento, criando com alguns amigos, a fanfarra Os Biquínis de Ogodo convidam As Sungas de Odora. Que por acaso teve seu primeiro carnaval como bloco. E também por conhecer muitos músicos que integram outros blocos, como o Me Enterra na Quarta, entre outros.


Vejo que esta se criando um embate pouco saudável e transformador entre músicos e policiais (farei uma referencia geral, sem separar PM e GM) e parte da população, que não participa do movimento musical e político que estamos tentando criar. Entendo, que parte de uma revolta deve-se muito as insistentes respostas truculentas que os policiais tiveram principalmente no período das manifestações que muitos de nós também participamos há uns 2 anos atrás (a luta pelo passe livre) e que parece que vem tomando conta da cidade em qualquer manifestação que tente questionar o status quo de nossa cidade maravilhosa.


Mas que briga é essa e quais e quem são os autores? E, o que queremos de fato?

Vou partir da análise de dois eventos no carnaval, um com o bloco Me Enterra na Quarta e outro com o Tecnobloco. No primeiro, o embate foi entre policiais e brincantes (músicos e quem apenas participava da festa), e por trás desse embate, muitos moradores de Santa Tereza, e aqui tanto do lado do bloco, como contrario a ele.


Desde o ocorrido, muitos insultos foram trocados por quem participa, quem não participa, quem já participou, quem concorda, quem discorda do modo que o bloco se desloca, se é oficial ou não. E entre eles a AMAST, que representa os moradores, que participam deste descontentamento contra a saída do bloco, ou pelo menos se opôs a ele não ser oficial.


Talvez reduza um pouco, mas me parece que o ponto principal do conflito seja tornar o bloco oficial. Mas, claro que esse ponto esconde muitas outras questões, como: o que implica oficializar ou não o bloco? Primeiro, de um lado, atender uma organização oficial de nossa sociedade, onde temos que negociar e muitas vezes aceitar pontos que discordamos, como o império Ambev. Por outro lado, uma manifestação, com intenções libertárias, que tenta resgatar a pureza de um carnaval e de uma ocupação da cidade, que seja espontânea, e livre das extremas regras que nossa sociedade vem se submetendo e que ao invés de melhoras, vemos aquilo que chamamos sociedade do controle, que muitos de nós não concordamos. Assim tomamos o carnaval como a única possibilidade de rebeldia ou eu diria de catarse de exercer nossa liberdade nativa, próximos ao nossos rituais mais primordiais, como rituais indígenas e africanos.


Vem ficando claro que queremos outra sociedade e que os movimentos que o Brasil, em várias cidades vem presenciando querem mostrar que não somente jovens querem outro tipo de educação, mas que há muitos outros, não tão jovens assim, que querem tornar a cidade um espaço de interação e de diálogo mais alegre e saudável.


Mas, como conseguir isso em uma sociedade tão dividida? E digo dividida, pois ao final da reportagem do G1 sobre o que aconteceu como o Tecnobloco, ao ler os comentários, vi um show de horror e de mensagens de pessoas de nossa sociedade que interpretam de maneira totalmente equivocada o que aconteceu no conflito. Muitos deles, que por diferentes razões ou por corresponder aos seus interesses, se colocam ao lado dos policiais, pois acreditam, que o bloco é composto de vagabundos, bêbados que só querem fazer baderna e desrespeitar a autoridade da lei.


E foi exatamente esse conflito, que podemos dizer ser mais entre diferentes opiniões e pontos de vista dentro de nossa sociedade que existe o verdadeiro conflito, pois os policiais (apesar de concordar que há problemas históricos de autoritarismo e uso indevido de força pelos mesmos), tem o papel de atender o que a sociedade instaura como importante. Portanto, me parece que se compreendia que havia a possibilidade de depredação, ao invés de perceberem que era uma manifestação de alegria e de questionamento aos modelos instituídos em nossa sociedade. Ou, apenas uma apropriação do espaço publico para uso de uma parcela, que pretendia apenas continuar o carnaval, como acontece em outros estados do nosso Brasil.


Mas, por que será que estamos sendo visto como vagabundos, bêbados e rebeldes sem causa?


Me lembrei do vídeo: “Aprendendo a Voar”, no qual contamos um pouco sobre um pouco de nossas histórias, do que fazemos, que somos médicos, psicólogos, biólogos, engenheiros, etc. Que escolhemos a música como um canal de expressão de nossos desejos de transformação de nós mesmos e principalmente da integração de tantas diferenças que tem sido ignoradas e deixadas de lado em nossa sociedade.


Mas, quem sabe disso? Será que de fato, quando entramos em conflito direto com policiais estamos construindo uma sociedade de diálogo do espaço público? Será que não estamos respondendo da maneira convencional, que nossa herança da ditadura nos deu? Nossas armas são outras, então precisamos de outras ações, mais eficientes e de acordo com o momento histórico. Mesmo que alguns insistam que ainda existe ditadura, na verdade, temos resquícios dela, e é isso que temos de transformar.


Lembro do segundo dia da manifestação pelo passe livre, daquela que teve a maior quantidade de pessoas, que quis sair com amigos da voadora e outros, que saíram do paco imperial tocando. Entramos na Presidente Vargas, cantando: O Abre Alas, e posso dizer que foi o momento mais lindo da minha vida política, uma realização anarquista de não levantar nenhuma bandeira de partido político e de fato, propagar aquilo que acredito, o amor e carinho por esse mundinho, chamado Brasil, que vivemos.


Porem, de que modo, o que seguiu com o movimento neo-fanfarrístico, soubemos elaborar essa nova postura política? De que modo talvez ficamos mais preocupados em criar nossas fanfarras, ter projeção, ao invés de criar esse espaço de diálogo que extrapola quem faz parte do movimento?


Sabemos, que o movimento continua crescendo e alcançando cada vez mais pessoas de nossa sociedade que vem aderindo ao movimento e talvez por isso nosso carnaval esteja ficando cada vez mais bonito. Entretanto, de que modo alcançamos aqueles que não nos conhecem? De que modo estamos utilizando a mídia? Será que não vale entrar em contato com aquele jornalista amigo e falar para ao invés de fazer reportagens onde se mostra o quanto ficamos bonitos na foto, quantas pessoas levamos, mostrar um pouco mais sobre quem somos e que sociedade queremos? Fazer um pouco do que fizemos no filme: “Aprendendo a voar”?


Por fim, acompanhei o que aconteceu com o Me Enterra na Quarta e eles estão construindo um diálogo com a Amast , pois no caso deles digamos que o embate é interno, dentro de casa. Mas e nós, que estamos querendo ocupar toda a cidade? Que ocupação queremos? Que tipo de diálogo queremos com nossos iguais, mesmo que diferentes?


Enfim, sei que pode parecer uma análise boba de uma filosofa que se preocupa com questões éticas e políticas, mas aprendi que elas estão entrelaçadas e que o local onde ela se realiza é exatamente este. As regras estão ali e podemos muda-las, mas é necessário um amadurecimento, onde deixamos de ser meros adolescentes que brigam com o pai ou a mãe (no caso, a polícia e a prefeitura), podemos mais, muito mais.


Beijo grande no coração de todos que fazem parte desse movimento lindo, mas antes de tudo amoroso. E amor começa com paixão, mas para durar precisa ser regado e construído diariamente.


Carol Marim







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